segunda-feira, 9 de abril de 2012

“Questões acerca da morte" (parte 2)


Por Edson Moura

Diante da questão da morte, os filósofos não poderiam simplesmente ignorar sua importância. Muitos filósofos, no decorrer da história da Filosofia, dedicaram profundas reflexões sobre o assunto na tentativa de apaziguar suas próprias consciências, e dar sentido àquilo que parece uma fatalidade, um absurdo, um castigo. A seguir veremos alguns dos principais filósofos nessas reflexões.

Segundo a tradição, um dos maiores filósofos foi Sócrates, embora nada tenha escrito e quase tudo que conhecemos acerca de seu trabalho fora escrito por seu discípulo Platão. Os últimos momentos da vida de seu mestre encontra-se narrado no diálogo de “Fédon” ou “Da Imortalidade da Alma”. Sócrates corajosamente aceita a sentença que seu pares lhes impuseram , negando-se a fugir como propunha seus discípulos, pois para Sócrates, obedecer as leis da cidade era uma questão de honra. Devemos nos lembrar que Sócrates também era político, uma espécie de deputado ou senador de Atenas.

Aceitando sua sentença de morte, Sócrates dá sua última “aula” aos discípulos, revelando o caráter moral de sua decisão, de coerência com o que havia dito e vivido como cidadão ateniense. Fala das virtudes (temperança, coragem, justiça) e convida seus discípulos a serem fiéis aos apelos de suas consciências, mesmo enfrentando tamanha injustiça. Diz Sócrates: “Se morrer é encontrar-se com os grandes da história de Atenas, como Péricles, pai da democracia, a morte então seria um prêmio para ele”. Impressionado com a vida e também com a morte de seu mestre, Platão revelará em praticamente todos os diálogos que escreveu, como  no “A defesa de Sócrates”, o quanto seus ensinamentos e coerência de vida eram fundamentais para construção de uma sociedade justa e de uma vida feliz.

Podemos também falar de Epicuro, nascido na cidade de Samos, tornou-se discípulo de Demócrito com apenas quatorze anos de idade. Depois de muitas idas e vindas, instala-se em Atenas onde funda sua escola filosófica para homens e mulheres, que, como não podia deixar de ser, foi alvo de fofocas escandalosas. Epicurismo ou Hedonismo, tem como princípio de sua doutrina, pregar que a felicidade humana deve se basear na vivência do prazer, o que não significa desregramento ou, imoralidade. Para ele, o prazer devia ser regido pela razão, pelo equilíbrio, ou seja, a justa medida de Aristóteles.

Epicuro ensina seus discípulos a não temer a morte, pois pior seria viver para sempre e pior, viver em desgraça, miséria ou dor. Antecipar o pensamento de morte não vale à pena, pois o morrer, em si, não faz parte da vida. Será apenas um momento que, de repente nos conduzirá para outros horizontes ou para o nada. Assim como dormimos todas as noites e não percebemos como isso acontece, assim será a morte. Portanto, o que vale na vida de verdade, é procurar viver bem, desfrutar o que há de bom, viver intensamente cada instante, e estar com os amigos.

Também Martin Heidegger, filósofo alemão, e um dos principais pensadores do século vinte, que escreveu obras como “O ser e o Tempo”, é tido como um pensador Existencialista (embora não tenha aceitado o adjetivo). Mas, ao se preocupar com um sentido mais profundo para a existência humana, ou com a questão metafísica do “ser aí”, e ao afirmar que “o homem é um ser para a morte”, Heidegger certamente se inscreve entre aqueles que tiveram um preocupação comum aos filósofos denominados existencialista, como Sartre.

O ser humano vive sua existência como projeto, com suas infinitas possibilidades de realização no futuro, mas somente uma poderá ser sua escolha, que nunca é definitiva. A todo momento a liberdade humana é chamada a se posicionar, a se ajustar, mas sabendo que a própria liberdade não é um dado pronto e acabado. A liberdade se faz a cada momento que se coloca, a cada ato, livre ou não. Todavia o homem sabe que há uma “situação limite” colocada pela morte. E este é um fato do qual homem algum poderá escapar, fazendo surgir assim a angustia existencial e as tantas perguntas sobre o sentido de nossa existência.

“Por que, e para que viver, se tudo acabará com a morte?” Quem nunca se fez esta pergunta? Devemos nos lembrar que para Heidegger, não podemos contar com a saída da crença em vida eterna, ou seja, imortalidade da alma, possibilidade dado pelos filósofos metafísicos tradicionais como Platão, Descartes, ou Leibniz.

Diante da angústia perante a desagradabilíssima e inevitável experiência da morte, o que não significa medo psicológico, depressão ou pensamento mórbido sobre a morte, temos duas saídas apenas: Uma existência autêntica dos que assumem essa angústia e aceitam sua finitude, voltando-se para um viver crítico, responsável e quem sabe livre. Se esta é a única vida que tenho, cabe somente a mim vivê-la em plenitude, a construí-la com os outros no mundo, sem medo, sem amarras, sem escravidão e mesquinharias.

A outra posição que um ser humano pode tomar diante dos pensamentos aterradores acerca de sua morte é o do homem inautêntico, que foge da angustia da morte, que nega a sua realidade por meio de mil subterfúgios, refugiando-se na impessoalidade, alienação religiosa e massificação. E por negar a angústia da morte, acaba por negar-se a si mesmo e a autenticidade de sua vida.
Edson Moura

Leia a primeira parte em: "Questões acerca da morte"

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