“Verdades
que não ouso dizer”
Joana,
uma mulher linda, corpo perfeito, olhos penetrantes e sensuais. Há
quem diga que ela preenchia todos os quesitos exigidos por Noreda.
Casaram-se viveram com intensidade este casamento por 18 anos. Noreda
era feliz, e Joana
dizia que o amava praticamente todos os dias. Mas, um dia qualquer,
que posteriormente seria chamado de “fatídico dia”, Joana
estava cozinhando quando algo aconteceu, e chamas foram vistas por
Noreda, que
estava na sala lendo uma revista qualquer.
Correu
até o cômodo e presenciou sua esposa totalmente em chamas da
cintura para cima. Em desespero abraçou-se a ela e conseguiu
extinguir as chamas que já haviam
feito um grande estrago em seu belo rosto e seios. Noreda
também sofreu queimaduras nos braços e rosto, mas não tão severas
quanto às de Joana.
Cinco
meses em coma em um hospital, entre melhoras e pioras, e todos os
dias Noreda
esteve ali, ao
lado de sua esposa, segurando em sua mão, dizendo coisas bonitas, e
às vezes eróticas em seu ouvido, pois sabia que ela podia ouvir, e
que gostava daquilo. Certo dia, já exausto de ficar o tempo todo
sentado em uma cadeira ao
lado da mulher, Noreda
resolveu deitar-se num dos quartos ao lado do de Joana,
mas, antes de sair, pediu à enfermeira que estava de plantão, que o
chama-se caso Joana
acordasse.
Por
volta de 6 da manhã Joana
acorda, e como sempre foi muito vaidosa, pediu imediatamente um
espelho para verificar o estado de seu rosto. Ficou horrorizada com o
que viu. O fogo destruiu todo seu couro cabeludo, deformou sua face,
seus lábios foram submetidos a várias cirurgias,
mas, ainda assim, estava horrível. Um de
seus seios precisou ser tirado, e uma grande cicatriz tomou o lugar
do que antes era o mais importante dos
adereços femininos. Chorando dizia que
estava acabada, que ninguém mais olharia pra ela sem sentir nojo ou
pena, e que até seu marido já a havia
abandonado. A enfermeira interveio dizendo que não, que seu marido
estava no quarto ao lado, e que foi a única vez que ele dormiu longe
dela desde que o acidente a deixou em coma.
Joana
saiu pelos corredores, e a cada pessoa que encontrava, notava a
expressão de
pavor que faziam ao vê-la, sentiu-se um lixo. Ao entrar no quarto
onde Noreda
repousava, o viu
de óculos escuros e com uma cicatriz também no rosto. Ela chamou
seu nome e Noreda
acordou, e tateando chegou até a esposa, e a
abraçou, e falou que a amava, e que estava
feliz por ela ter acordado.
Mas
Joana perguntou o
porquê dos óculos escuros. Então Noreda
respondeu que ao tentar apagar o fogo, seus olhos foram queimados e
ficara totalmente cego. Noreda
disse que Deus faz as coisas certas à sua
maneira, e que havia um propósito para que
ele tivesse ficado cego. Joana
sabia exatamente qual era este propósito.
Foram
para casa e viveram felizes por mais vinte anos. Ele dizia que ela
era linda, ela ria dizendo que ele era cego e, portanto não tinha
como saber. Faziam amor
quase todos os dias, e tudo corria muito bem. Até que Noreda
descobriu que havia
desenvolvido um câncer no pulmão, lhe restando apenas dois meses de
vida. Passado este período, Noreda então
morreu.
Noreda
era doador um universal de órgãos. Depois de alguns meses, uma
mulher toca a companhia na casa de Joana.
A mulher se apresenta como Sofia e diz que veio apenas para agradecer
a família do doador que proporcionou ao seu filho uma nova vida.
Joana se
emocionou ao saber que uma parte de seu esposo ainda vivia em outra
pessoa. Tomaram um café, contaram algumas histórias engraçadas
sobre como o Noreda
gostava de manipular as pessoas, e se dizia um mestre na arte da
mentira. Ele sempre dizia que algumas mentiras nos mantém amigos, e
outras mentiras podem deixar as pessoas mais felizes.
Ao
se despedirem, Joana,
curiosa perguntou:
Qual
foi o órgão que seu filhinho recebeu?
A
mulher, com lágrimas nos olhos, respondeu:
As
córneas! E meu filho hoje só pode ver o mundo graças ao seu
marido. Muito obrigada.
Moral
da história, para quem não entendeu. Às vezes, precisamos fingir
que não ouvimos para não nos metermos em confusões e discussões
desnecessárias. Já outras vezes, precisamos nos fingir de cegos,
para vivermos felizes com uma pessoa que não suportaria que víssemos
as coisas feias que carregam por dentro... ou por fora. Nessas horas
o amor fala muito mais alto.
Edson
Moura.