sábado, 8 de janeiro de 2011

Histórias da Vida Privada Vol 1 - (do Império Romano ao ano Mil) Philippe Ariès e Georges Duby

Do Império Romano ao ano 1000 d.C.

Na vida pública, durante a Antiguidade Clássica, houve uma longa sobrevivência da indiferença em relação à nudez. A nudez do atleta, por exemplo, ainda hoje continua sendo um indício de posição, como símbolo de saúde. O papel essencial dos banhos públicos como ponto de reunião da vida cívica clássica fazia da nudez, entre os pares e diante dos inferiores, uma experiência cotidiana inevitável. 

A postura de um homem (nu ou vestido) é a verdadeira marca de sua condição, uma marca tanto mais convincente quanto minimizada. Para as mulheres, a vergonha social que havia em exibir, de modo inconveniente, constituia uma preocupação, não pelo simples fato de se mostrar nua, pois a nudez diante dos escravos é moralmente tão insignificante quanto a nudez diante dos animais, e a exibição física das mulheres das classes inferiores constitui outro sinal de sua desregrada inferioridade em relação aos poderosos.
      
A sociedade do Oriente mediterrâneo se organizava de modo ainda mais conservador acerca da generalização da vergonha sexual. Em Antióquia (Síria), João Crióstomo ousa atacar os banhos públicos, ponto de reunião social, por excelência da elite. Critica o hábito das mulheres da aristocracia de exibirem a uma multidão de servos suas intimidades, cobertas apenas de jóias, que constituiam a marca de sua elevada posição. 

Na Alexandria (Egito), os farrapos dos pobres deviam provocar no crente visões perturbadoras, medo inconcebível, nos séculos anteriores em que essa nudez parcial era tida como indigna, mas dificilmente como fonte de inelutável perigo moral.

A nudez cristã tinha um significado muito diferente, homens e mulheres eram batizados nus na piscina octogonal, adjacente a toda catedral, nas noites de sábado santo. Nus, como Adão e Eva da criação, saíam da água, mortos para o pecado e ressucitados para a vida eterna. A nudez constituia, então, uma afirmação de sua condição de boa criatura, dependente de Deus (antes do pecado ou sem este). 

O desaparecimento do batismo por imersão na época carolíngea (séculos VIII e IX) suscitou a retomada, podemos dizer, ao simbolismo pagão e deu à nudez um significado sexual e genital que ela não tinha. Mais adiante, desapareceram os crucifixos em que Cristo se apresenta nu, como todos os escravos condenados ao mesmo suplício. Um padre de Narbonne teve uma visão desse Cristo, que lhe pediu para vestí-lo. 

De fato, era a época em que em Bizâncio (antiga Constantinopla) se difundia o Crucificado vestido numa longa túnica - o colobium. Obviamente, a sensibilidade da época começava a recusar esse espetáculo, que parecia indecente e até perigoso, pois Cristo corria o risco de ser adorado pelas mulheres como um Deus da fertilidade, à maneira de Príapo (deus romano do amor) ou de Freyr (deus viking da paz, prosperidade e patrono da fertilidade), cujas representações nuas não deixaram dúvidas sobre sua função. 

Assim, o corpo vestido, banhado, penteado e enfeitado acabava sendo adorado e, para que não se tornasse idolatrado por outros motivos, era preciso vesti-lo. São Bento tanto compreendera isso, que em sua regra recomendou aos monges que dormissem vestidos, "Cada qual terá um leito para dormir" e "se possível for, todos dormirão num mesmo local", "para que [...], ao soar o sinal, se levantem sem demora e se apresentem para consagrar à obra de Deus". As noites, para os monges, também deviam ser consagradas, nesse caso, ao amor de Deus, pela oração.

Autor: Philippe Ariès e Georges Duby
Origem: Nacional
Ano: 2009
Edição: 1
Número de páginas: 3212
Acabamento: Brochura
Volumes: 5
Editora: Companhia das Letras

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