Por Edson Moura
"De que vale o eterno criar,
se a criação em nada terminar? Se perderão num imenso nada e, mesmo depois de
ficarem famosos por suas teorias, cairão num mar de esquecimento, pois
entenderão que não passam de “produtos de suas épocas”, saberão que não são
eternos como eu." “Sede fecundos e multiplicai-vos”, foi o que eu disse.
Mas, sinto uma necessidade urgente de rever meus cálculos. O homem, minha
criação magnífica, aparentemente conseguiu cumprir uma de minhas ordens
finalmente, entretanto, talvez esta seja a única das ordenanças que eles
deveriam ter ignorado. Mea culpa!
A população Mundial explodiu de forma
descontrolada, passando de um para dois bilhões de pessoas entre 1850 e 1925,
um intervalo de apenas 75 anos. Passou de dois para três bilhões de pessoas
entre 1925 e 1962, 37 anos. Continuou a se multiplicar e chegou a quatro
bilhões de pessoas de 1962 a 1975 - 13 anos. De quatro para cinco bilhões de
pessoas entre 1975 e 1985 - 10 anos. Continuou sua reprodução e alcançou o
numero alarmante de 5 a 6 bilhões de pessoas entre 1985 a 1994 - 9 anos. E por
fim, me causa espanto o que observo hoje. A humanidade passou de seis para sete
bilhões de pessoas entre 1994 a 2011 - 17 anos. Não é preciso ser Deus para saber
que a matemática não mudará sua lógica.
Se a natureza não encontrar uma
maneira de “se purificar”, acredito que nem eu poderei impedir a extinção desta
espécie. Ao longo dos séculos, tentei impedir que o fim chegasse. Mandei
dilúvio, incitei batalhas sangrentas, criei líderes megalomaníacos que, sem
saber, trabalhavam para mim, com o intuito de diminuir a quantidade de pessoas.
Mandei a Peste Negra, terremotos, maremotos, causei vazamentos em usinas
nucleares, desenvolvi em meu tanque de experiências, doenças incuráveis,
doenças, me matavam rápido, outras que aniquilavam aos poucos. Nada funcionou.
A capacidade de procriação de minha criação é absurdamente rápida. Perdi o
controle.
Como ratos no porão de um navio,
comendo e se procriando desordenadamente até sue número ser tão grande que o
único alimento que terão será o próprio navio, ou uns aos outros, assim vejo o
triste fim do homem. Sei que a “pequena esfera azul não suportará vinte bilhões
de homens, mulheres e crianças... muitas crianças. Será uma cena “Dantesca”,
corpos amontoados uns sobre os outros, apodrecendo, matando, roubando,
infectando. Interessante eu pensar no homem como um rato. Talvez seja porque
fora com esses animaizinhos que eu consegui exterminar um terço da população
europeia, cerca de setenta e cinco milhões de humanos, logo depois de matar
dois terços da população chinesa. Na época, foi um sucesso. A Europa enfim soergueu-se,
tendo uma explosão intelectual, artística e principalmente, no campo das
ciências médicas.
Os que sobreviveram, começaram a
traçar novas metas para seu futuro. Vacinas foram criadas, curas encontradas, a
higiene deu um salto enorme, evitando assim a maioria das doenças que realmente
matavam rápido. Mas, mesmo depois dessa diminuição drástica e da riqueza que
conseguiram com a sobra de terras, alimentos e ar puro, o homem iniciou
novamente seu crescimento. Enterraram a cabeça na areia como avestruzes, ignorando
o perigo a sua volta, um mecanismo de defesa que certamente a natureza lhes deu
á medida que iam evoluindo. A negação.
Como crianças que escondem o
rosto, acreditando que não podem ser vistas, assim são os adultos. Não pensam
em sua extinção, não pensam que a explosão demográfica será o seu fim, não o
Apocalipse narrado por João na ilha da Patmos. Até certo ponto, os que
acreditam na minha existência estão certos ao dizerem que o fim está próximo,
com suas profecias escatológicas eles predizem algo que no fundo não sabem como
se dará, mas sabem que acontecerá. Chegará e não tardará o dia em que eles
terão que escolher entre caminhar entre corpos em putrefação ou cometer um suicídio
altruísta, dando a chance dos mais novos viverem. É isso, ou uma esterilização
em massa dos povos mais pobres, da escória que contamina o mundo se reproduzindo
como um vírus replicante até que seu número destrua o hospedeiro, e o hospedeiro
desta vez não é um organismo vivo, mas sim, a própria Terra.
A crença na criação já é obsoleta,
a Seleção Natural é coisa do passado, o que vejo agora é a Seleção Artificial.
O homem já manipula seu código genético, já elimina doenças hereditárias, já
desenvolve seres mais fortes e que viverão muito mais do que eu imaginei para
eles. A criatura se rebelou mais uma vez contra seu criador, não aceitando o
maior presente que lhes dei, a saber, a finitude. Quando não mais morrerem, eu
me tornarei obsoleto também. Desnecessário. E por fim, jamais acreditarão que
eu os criei. E tudo parecerá como um castigo. Sua extinção será desencadeada
justamente no momento em que pensarem que não mais precisam de mim. Um final
poético até.
Para um Ser perfeito como eu,
nada se encaixaria melhor nesta tragédia que criei, do que a morte para todos
que não creram em mim. Se algum dia, uma nova raça vier a povoar a pequena
esfera azul, e encontrar o livro onde sábios homens falaram de mim, é bem
possível que eu mesmo seja ressuscitado e volte a habitar o coração dos povos,
e volte a ser o maior e mais poderoso Ser de todo o universo. E serei lembrado
eternamente como o “Deus que aniquilou toda a humanidade pecadora”. E nunca
saberão, na limitação de seus intelectos, se eu fiz tudo isso, ou se fizeram a
si mesmos.
Ass, Deus
Uma analogia a teoria Malthuziana da explosão demográfica
Leia a primeira parte deste conto em: Criação? Seleção Natural? Seleção Artificial. (Parte 1)