Por Edson Moura
A ambivalência do homem tem trazido
benefícios e malefícios. Creio eu que mais coisas boas aconteceram desde que o
homem começou a polarizar suas ideias. Mas quando o assunto é religião a coisa
muda e figura. Quando falo que sou cético, logo sou levado ao extremo oposto da
fé, sendo considerado como uma pessoa de má índole, filho do demônio e outros
adjetivos que os crédulos gostam de inventar para estereotipar um ateu. Relativizar
a Bíblia constitui-se um erro moral, enquanto alguns fundamentalistas a
literalizam sem a menor parcimônia. Não entendem que, se levarem ao “pé da
letra” ou não fazerem um exame cético acerca de algumas passagens, podem estar
abrindo precedentes para justificar atos tão maus que transformariam os
megalomaníacos e genocidas de nosso tempo em apenas mais um idealista com sua “causa
justa”. Um exemplo evidente é o caso da historia de Josué logo após o Êxodo.
Que área do comportamento humano é
mais ambíguo moralmente? Até as instituições populares que se propõem nos
aconselhar sobre comportamento e ética parecem infestadas de contradições.
Consideremos os aforismos: “A pressa é inimiga da perfeição”, mas posso
contrapor este argumento com o seguinte: “O boi chega primeiro bebe água limpa".
Ou, “É melhor prevenir do que remediar”, contrastando com, “Quem não arrisca
não petisca”. Ou esta então: “Duas cabeças pensam melhor do que uma” sendo
afrontada com “panela que muitos mexem ou sai cru ou queimada ou insossa ou
salgada”.
Houve uma época em que a gente
planejava ou justificava suas ações apoiando-se nesses tópicos contraditórios.
Que responsabilidade moral têm os autores de provérbios? Ou o astrólogo que se apoia nos signos do sol, o leitor de cartas
do tarot, o jogador de búzios, ou profeta da igreja da Benção?
A Bíblia nos ensina as seguintes
lições: Miqueias nos exorta a trabalhar com justiça e amar a piedade (e a
definição clara e resumida daquilo que Deus exige do seu povo: "O que ele
quer é que façamos o que é direito, que amemos uns aos outros com dedicação e
que vivamos em humilde obediência ao nosso Deus" Miqueias 6.8). No Êxodo
nos proíbe cometer homicídios. Em Levítico nos ordena amar a nossos vizinhos
como a nós mesmos. E nos Evangelhos nos urge a amar a nossos inimigos. Pensemos
entretanto nos rios de sangue vertido por ferventes seguidores dos livros em que
se acham essas exortações bem intencionadas.
No livro de Josué e na segunda parte
do livro de Números se celebra o assassinato maciço de homens, mulheres e
meninos, até de animais domésticos, em uma cidade atrás de outra por toda a
terra do Canaã. Jericó é eliminado em uma “guerra Santa”. A única justificação
que se oferece para este assassinato em massa é a declaração dos assassinos
(hebreus) de que, em troca de circuncidar a seus filhos e adotar uma série de
rituais particulares, prometeu-se a seu antepassados muito tempo atrás que
aquela terra seria deles. Não encontramos na Bíblia “sagrada”nenhum indício de arrependimento,
nem um murmúrio de inquietação patriarcal ou divina ante essas campanhas de extermínio
engendradas por Josué a mando de Deus. Muito pelo contrário, Josué “consagrou a
todos os seres viventes ao anátema, como Jeová, o Deus do Israel, tinha-lhe
ordenado” (Josué, 10, 40). E esses acontecimentos não são incidentais a não ser
centrais na narração principal do Antigo Testamento.
Há histórias similares de assassinato em
massa (e no caso dos Amalequitas, genocídio) nos livros que contam a história
de Saul , Ester e outras partes da Bíblia, sem sequer uma fagulha de dúvida
moral. Tudo isso, certamente, foi perturbador para os teólogos liberais de uma
época mais tardia, mas duvido que para os fundamentalista tenha sido.
Diz-se com razão que o diabo pode
“citar as Escrituras para seu propósito”. A Bíblia está tão cheia de histórias
de propósito moral contraditório que cada geração pode encontrar justificativa para
quase todas as ações que propõe. Desde incesto, a escravidão e o assassinato em
massa até o amor mais refinado, a valentia e o auto-sacrifício. E este
transtorno moral múltiplo de personalidade não está limitado ao judaísmo e ao
cristianismo. Pode-se encontrar dentro do Islã, na tradição hindu, certamente
em quase todas as religiões do mundo. Assim, não são os cientistas os que são
moralmente ambíguo, mas sim, todos nós seres humanos.
A Ciência tem uma obrigação de alertar
o público dos perigos possíveis, sobretudo dos perigos que emanam da própria
Ciência, ou que podem se agravar pela aplicação da Ciência. Talvez esta seja
uma missão profética. As advertência devem ser justificadas e divulgadas, mas
seu valor não pode ser maior do que o momento exige. Se estamos sujeitos ao erro,
ao engano, que erremos pensando na segurança de todos.
Uma
vez que nossa vida é tão efêmera, e tão única, parece crueldade de minha parte
privar qualquer pessoa que seja do consolo da fé, pois em algumas áreas, a Ciência
não pode jamais remediar a angústia deixada pela decepção do homem que teve os
olhos abertos para a realidade. Aqueles que não podem suportar o peso do exame
cético e constatação da falácia, tem a liberdade para ignorar os princípios
usados por um cético para tentar provar sua” crença”. Fé é algo que se perde
aos pedacinhos, e quando vemos estamos nus, desamparados e mais cegos do que
antes. É neste momento que a razão entra no jogo, que a Ciência acende uma vela
e ilumina o caminho que ainda teremos que percorrer.
Acredito
piamente que a Ciência está no homem a mais tempo do que a religião. O homem só
chegou até aqui porque usou a Ciência na caça, na pesca, no plantio, na
confecção de armas e roupas. O que não entendo é como ele pode se esquecer
disto. Em determinado momento nós paramos de acreditar na Ciência para dar
ouvidos a falsos profetas, e com o passar dos milênios, como não poderia deixar
de ser, a religião fundiu-se à evolução, confundindo os homens e fazendo-o
acreditar que “crer é preciso”.
Fim
Noreda, não existe nenhum ambiguidade moral na Torá. O que o homem deve fazer, moralmente falando, está resumido no Decálogo; tudo o que o próprio povo de Israel fez que feriu tais princípios absolutos, foi um equívoco e não um exemplo.
ResponderExcluir“O homem só chegou até aqui porque usou a Ciência na caça, na pesca, no plantio, na confecção de armas e roupas”
ResponderExcluirO desejo de criar é um sentimento. Eu acredito que primeiro o homem sonhou.