Sinto inveja dos que choram. Uma
inveja que me atormenta à medida em que vou envelhecendo e vejo que as lágrimas
não mais se apresentam. Nem olhos lacrimejantes, nem coração apertado, nem
soluços contidos... Nada disso. Um ermo e solitário deserto. Um deserto árido é
o que sinto que sou. Mas, mesmo nos desertos, ainda que em porções ínfimas, as
lágrimas da noite se fazem presente, umedecendo a areia e deixando um orvalho
rico para os seres que por lá vagueiam. Tenho inveja do deserto.
Lembro-me da última vez em que
chorei. E como foi bom. Na verdade foi uma das poucas vezes que chorei, depois
de adulto. Malas prontas, violão e livros guardados, meu irmão com o carro
parado à porta, esperando que eu me despedisse dos meus filhos. Era a
separação. Já dentro do carro, ao ver de relance meu filho no portão, me
olhando, não sei se com tristeza ou indiferença, pois tinha apenas 3 anos, elas
vieram. Vieram com tamanha força que por mais que me esforçasse, não consegui
contê-las. Chorei, e chorei de soluçar. Meu irmão nada disse, apenas respeitou
esse meu momento.
Como foi bom. Chorar não era ruim
naquele momento. Me revelou o tamanho do amor que eu tinha pelos meus filhos, e
como seria difícil a vida longe deles. Foi um choro efêmero. Rapidamente
substituído por um ódio com as mesmas dimensões do amor. Odiei minha esposa.
Odiei a mim mesmo me julgando culpado pelo rompimento. Hoje sei que não tive
culpa. Mas, queria ter. Para quem sabe, poder chorar de arrependimento.
Recordando agora daquele fatídico
dia, não consigo fazer brotar uma lágrima sequer. Remoendo e remoendo as
lembranças, vejo um solo estéril e totalmente sem possibilidades de gerar vida.
Para onde forma minhas lágrimas? Se soubesse que me fariam tanta falta, as
teria economizado ainda mais. Pergunto-me se a total ausência delas, não é a
constatação que que não valorizo o que perco hoje. Acho que estou tentando me
enganar. O que aconteceu foi que a vida me tornou duro demais, ou melhor, eu me
tornei assim.
Ainda ontem vi uma cena que me
desmontou por completo. Meu filho mais velho, Jonas, ao me ver saindo com o
mais novo, Cauã, para levá-lo à casa de sua mãe, após uma semana de férias
comigo, veio correndo atrás de mim, e tocou em minha blusa, com os olhos cheios
de tristeza e lágrimas e diz olhando para o irmão: "nem se despediu de mim
né?". Senti inveja daquelas lágrimas que provavelmente correram pelo seu
rosto jovem logo depois do abraço. Aquilo me deixou feliz, por saber que meu
filho ainda não padece do mesmo mal que eu.
Sofrer deveria ser obrigatório
para alguns homens. Mas sofrer mesmo! Aquele sofrimento que faz desabar qualquer
gigante. Que faz a mais dura rocha amolecer. Isso não quer dizer que não esteja
sofrendo. Sofro por não sofrer o tanto que gostaria. Sofro por não chorar, e
lavar minha suposta alma, e purificar meu suposto espírito. Sofro o sofrimento
maior do homem. Aquele que ninguém percebe. Só nós mesmos.
Filósofo cético, Edson Moura
Caro Noreda
ResponderExcluirEste teu texto me tocou. Chorei, por dentro, um choro seco sem lágrimas..