terça-feira, 30 de agosto de 2011

Quando Nietzsche chorou - Irvin D. Yalom

Resumo do livro:

No último quarto do séc. XIX em Veneza, no café Sorrento, tem lugar um encontro entre o médico austríaco, Josef Breuer e a insinuante jovem russa Lou Salomé, que promoveu uma série de outros encontros entre aquele e Friederich Nietzsche.

Explicadas as motivações tecidas à volta de um triângulo amoroso entre si, Paul Reé e Nietzsche, e porque a humanidade não poderia arriscar-se a perder o seu mais proemitente filósofo, Lou materializa a primeira entrevista deste com Breuer, por intermédio do amigo comum Overbeck, com vista à descoberta da origem do mal, que vinha atacando o filósofo, o qual, é mantido na ignorância desta sua diligência, por aquela saber o que este pensa das ajudas desinteressadas.

Horas de intensa observação deram a conhecer a Breuer a personalidade obstinada e orgulhosa de Nietzsche. Como tratar alguém que recusa ajuda? Porque recusa?

Frustrado o acordo para o tratamento, despediram-se friamente. Mas uma recaída do filósofo retoma o contato com Breuer que lhe ouve, em estado quase comatoso um inesperado mas inconsciente pedido de ajuda. Aberta a brecha, Breuer avança, decidido a fazer Nietzsche ceder às suas tentativas de penetração na sua, até então, inviolável psique. Mantinha-se, no entanto, inexpugnável o filósofo a quaisquer intromissões na sua fortaleza interior. Sucedem-se diálogos de prospecção psíquica, tão duros como inteligentes que os conduzem a um acordo peculiar.

Assentam, então num tratamento recíproco. Breuer, autor da iniciativa, aceita como clínico tentar debelar as enxaquecas de Nietzsche, e este como médico da mente, aceita tratar Breuer. Homem realizado na sociedade vienense, pela excelência da sua ciência e do seu profissionalismo, Breuer conquistou a fama pela descoberta da importância do ouvido interno para o equilíbrio.

Tendo aplicado o mesmerismo a Bertha, uma jovem lindíssima, sua paciente, com uma grave histeria, criou problemas pelo tempo passado junto da doente, que fizeram nascer em Mathilde, sua esposa, ciúmes inconvenientes. A passar dos quarenta anos, Breuer pergunta-se se era aquilo por que tinha lutado. Um sonho que recorrentemente o perseguia, e de que já havia falado com o seu amigo Freud, curioso destas fitas cerebrais, piora a situação pelo que poderia significar. Mas com Bertha afastada da sua vida Breuer sente começar a descer para um subterrâneo desconhecido.

A argúcia argumentativa de Nietzsche, calça botas de soldado com que lhe pisa a estrutura familiar laboriosamente construída. E confronta-o, sem piedade, com a paternidade das escolhas assumidas. Então compreende! Não havia sido Breuer a escolher o seu caminho. Sempre na esteira dos outros. A carreira, os amigos, o bem-estar, a mulher tinham-no moldado aos seus interesses. A sua genuinidade dormia sob o anestésico da sociedade. Sentiu um ferrão a rasgar o tórax. As escolhas não tinham sido suas. Foram eles que lhe apontaram os caminhos. Como a um cavalo condicionado por antolhos. E de repente tudo se desmorona.

Nietzsche médico das almas, cruel cirurgião da mente, tendo penetrado nos labirínticos meandros da psique de Breuer, desperta-lhe a força da idiossincrasia própria de um ser irrepetível e único, pelo que começa a sentir-se como o caçador caçado. Equipado com as armas necessárias à superação de si, Nietzsche encaminha Breuer para um exercício de auto-consciência, o qual, induzido por hipnose pelo seu amigo Freud, consegue figurar Bertha, na intimidade com um outro clínico, dessacralizando assim momentos considerados como possíveis unicamente consigo. Imagina-se, então, profundamente ridículo. A catarse funcionou. Breuer recuperou-se e tornando-se naquilo que é assumiu-se como autor do seu futuro. Sorridente, afirma-se curado para desgosto de Nietzsche que assim perde mais um amigo.

Nietzsche, a maior parte do ano doente, acometido por doenças do foro psiquiátrico acompanhadas de graves manifestações somáticas, era um homem deprimido. A atravessar desertos de solidão. Uma solidão altiva, desejada, própria dos fortes. A sua imaginação febril, afectada pelo rompimento com Wagner, ficou fundamente abalada com as notícias da irmã Elizabeth sobre o que Lou fazia correr sobre ele na sociedade. A traição de novo a corroer-lhe as entranhas. Está condenado a viver só com o seu mal. Longe do mundo e dos homens. Voltaria a galgar o alto Engadine de onde administraria na companhia da sua querida e orgulhosa dor o vasto e exclusivo império do seu EU, tanto mais robusto quanto mais sofrido.

Breuer sarado tinha de se ir embora. É quando se apercebe da íntima tristeza com que Nietzsche saudou a sua cura, e lembrando-se do pedido de ajuda, resolve fazer xeque mate ao mal do, agora, seu amigo. Sempre vencido nos diálogos mantidos com ele, não podia dispersar esta oportunidade única. Tal mostra de fragilidade seria a salvação dele. E sua também. Como clínico. Como amigo.

Se consigo Bertha foi a um tempo a origem da sua angústia, não teve dúvidas em eleger Lou Salomé como uma das grandes causadoras dos pesadelos, insônias e aflições de Nietzsche. Que finalmente se abre e denuncia um coração dilacerado, ao saber que aquela havia produzido, com ele Breuer, o mesmo comportamento insinuantemente provocador tal como, com ele, Nietzsche, que se julgava, no recesso do seu individualismo, senhor absoluto dos mimos de Lou Salomé.

Chamando então a si Freud e toda a sua ciência, a par de tudo o que com o filósofo aprendera, Breuer, impiedoso, perscruta aquele coração, libertando-o da solidão auto imposta, como sobrevivência num mundo imperfeito. Com a certeza e segurança da amizade entretecida na cumplicidade da dor, diluída pelo abraço que acede ao humano, demasiado humano. E que se torna menos mau sempre que um homem chora.

Editora: Ediouro
Pág. 407
Edição: 14ª
Autor: Irvin D. Yalom
Ano: 1992


Edson Moura

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