domingo, 20 de novembro de 2011

Quem somos nós?

Por: Marcio Alves


Somos, desejando ou não, buscando ou não, o que já vamos sendo na construtividade do nosso eu em um contexto que é construído, vivido e absorvido pelo cultural, social e geográfico em um determinado e limitado espaço e tempo histórico.

Somos na medida em que vamos deixando de ser para nos tornar quem somos, onde cada porta aberta fecha outra, e, cada porta que fechamos atrás de nós, abre outras, nos levando sempre por caminhos e descaminhos, por possibilidades e não possibilidades, que no final desembocará num determinado futuro que se tornará presente.

Somos a somatória de experiências vividas, como subtrações de não acontecidas em meio a uma vida já determinada pela aleatoriedade e contingência do acaso da vida, mesmo negando, rejeitando ou se arrependendo do passado, pois o passado não nos nega, rejeita e se arrepende de nós, pois tal como é nosso passado assim é a nossa historia de vida, ainda que sejamos no presente já não sendo mais como éramos no passado que ficou para trás, mas que como sombras continuam nos acompanhando.

Mesmo lutando contra nosso eu formado pela identidade adquirida no tempo e experiência de vida, não vamos apagar quem fomos e quem somos, pois só somos porque fomos um dia, e fomos um dia porque estamos sendo não mais o que éramos antes.
Nosso passado foi como esta sendo e sempre será a ponte que nos trouxe até o presente momento.

Somos o que foi determinado pela genética do nosso eu biológico que constitui nossos genes, temperamento, vontades e desejos.
Para uns, mais agressividade, para outros, mais amabilidade, mas para todos nós, uma identidade impar, que faz nós sermos quem somos justamente por não sermos que não somos.

Somos um produto do meio em que vivemos.
Onde, com quem, quando, e como vivemos é o que tem também nos modelado a ser o que temos sido, na medida em que vamos vendo, ouvido, percebendo, tocando, experimentando, cheirando, saboreando, lembrando e pensando o mundo externo a nós, num mundo objetivado pela concretude da vida, vamos simultaneamente internalizado subjetivamente os seus valores, desejos, vícios, prazeres e idéias, formando assim paulatinamente nossa identidade na identificação de olharmos para o espelho do mundo e vermos a nós mesmos.

Somos uma singularidade de reações, emoções e pensamentos, ao mesmo tempo em que somos um universo infinito de caos que está para além do entender do próprio sujeito, que na vida pratica acaba por se limitar este mesmo universo subjetivo de liberdade, possibilidades e escolhas, para preservar mantendo-se no meio social em que foi escolhido para viver.

Somos no fim das contas, uma totalidade de fatores somados ao mesmo tempo esquecidos, inatos ao mesmo tempo adquiridos, negados ao mesmo tempo integrados a nossa identidade, que tal como uma historia para ser entendida precisar ser vista em seu todo, assim somos nós visto em partes pelas pessoas que por mais que nos ame e nos acompanhe, não consegue nos ver pelo nosso todo, por isso, cada um vê em nós o que querem ver e não o que somos realmente, e até porque, quem somos esta constantemente passando e mudando pelas intermináveis variações de ambiente-externo e ambiente-interno.


Somos o que deveríamos ser ou não somos porque não escolhemos ser?


Não sei, o que sei é que o mais importante de tudo na vida que se vai vivendo e sendo, seja por aleatoriedade ou escolhas, por pré-condições e determinações não escolhidas ou ausência de querer é o que estamos fazendo com o que a vida fez de nós sermos, pois só assim, será o triunfo do ser sobre tudo que fez ele ser quem é, mesmo que seja ilusório, pois no final das contas não seria o que fazemos da vida que fez de nós sermos só possível porque a vida á priori fez de nós?

domingo, 6 de novembro de 2011

A cibernética lacaniana

Por Edson Moura
Existe um texto de Lacan com o nome de “Psicanálise e Cibernética”, ou “Acerca da Origem das Linguagens”, com data de Junho de 1955, que ainda é pouco estudado pelos historiadores de Psicanálise. Nele Lacan propõe uma interessante aproximação entre a sua teoria do Inconsciente e a Cibernética, uma disciplina então nascente e que décadas mais tarde iria se tornar a nossa já conhecida “Inteligência Artificial”. Curiosamente, nem mesmo os mais competentes biógrafos de Lacan, como, por exemplo, Elizabeth Roudinesco, sequer mencionam essa conferência.

Por qual motivo omitiram esse pensamento lacaniano acerca da Cibernética? Talvez essa seja uma atitude intencional de alguns psicanalistas que vêem na Inteligência Artificial e na Ciência Cognitiva algo necessariamente oposto à Psicanálise. A ciência Cognitiva é demonizada, de forma caricatural, como uma espécie de teoria diabólica que visa, em última análise, transformar os seres humanos em máquinas. Essa tendência aparece na obra de Roudinesco, especialmente no livro “Por que a Psicanálise?”, que tem passagens ácidas no que se refere à Ciência Cognitiva.

Mas outra hipótese que o texto dessa conferência revela-se extremamente complexo para aqueles que não têm formação em Ciência da Computação. Nele, por exemplo, aparecem desenhos em tabelas que parecem, à primeira vista, estranhos. Eles são, na verdade representações de portas lógicas de um computador.

As portas lógicas são uma espécie de representação elétrica do pensamento humano. Se assumimos que quase todo pensamento é constituído de proposições e que elas são, invariavelmente, ou verdadeiras ou falsas, podemos construir um circuito elétrico que as represente. A idéia é que “verdadeiro” ou “falso” podem corresponder, reciprocamente, a 0 e 1, e estes, por sua vez, a um circuito fechado (no qual passa corrente) ou um circuito aberto (no qual não passa corrente). É da idéia cotidiana de que nosso raciocínio são proposições verdadeiras ou falsas que são constantemente combinadas na forma de um cálculo que surge a semelhança entre circuitos elétricos e mentes ou, em última análise, entre mentes e computadores.

Mas por que Lacan estaria preocupado com isso? A Razão parece estar no fato de que há outro conceito fundamental que norteia a Ciência da Computação e a programação de computadores: a “recursão”.

A recursão é um tipo de processo no qual um de seus passos envolve sua repetição completa. Uma forma humorística de definir a recursão é dizer que “as bolachas vendem mais porque são fresquinhas e são fresquinhas porque vendem mais”. O que se percebe nesta frase é um procedimento de repetição, no qual, se não houver uma instrução especifica para parar, continuará assim por um tempo indeterminado. Ou seja, a recursão é o procedimento em círculo, sem que se coloque um fim para ele.

Procedimentos recursivos são a base da construção de algoritmos (programas). Mas isso ocorre não somente com as linguagens artificiais utilizadas pelos computadores. Nossa linguagem natural também é recursiva. Na década de 1950, Noam Chomsky propôs essa hipótese. Quando escrevemos uma sentença, podemos sempre acrescentar uma outra a ela, e assim por diante, num processo infinito. “Há um garoto sentado na ponte” pode se transformar em “Há um garoto que matou seus pais sentado na ponte” e “Há um garoto que matou seus pais sentado na ponte criando coragem para pular” e assim por diante. A linguagem remete à própria linguagem e este é um procedimento circular repetitivo.

Ora, Lacan acompanhava os progressos da Cibernética nos anos 50 e, possivelmente, conhecia os trabalhos de seus pioneiros, entre eles o de Norbert Wiener, que estava profundamente envolvido com a programação de computadores. Da mesma maneira, os trabalhos de Chomsky acerca da recursão em linguagens naturais também deviam ser conhecidos por Lacan.

Se a linguagem é recursiva, nos diz Lacan, o inconsciente também o será, já que está estruturado na forma de uma linguagem. É daí que vem o caráter repetitivo do inconsciente, o fenômeno da repetição inexorável, identificado por Freud na sua obra de maturidade. A repetição em um processo neurótico é praticamente interminável, a não ser que em algum momento haja uma instrução para interrompê-lo, como pode ocorrer na psicoterapia. A neurose é um procedimento recursivo e, para explicar sua natureza, teríamos de buscar um modelo cibernético para ela. O neurótico é uma máquina “em looping” e é isso que o aproxima da pulsão da morte. Essa é, em síntese, a mensagem da conferência de Lacan transcrita no seminário II.

Talvez devamos, então, reconsiderar a posição da Psicanálise diante da Inteligência Artificial e da Ciência Cognitiva. Talvez Roudinesco esteja excessivamente à margem esquerda do rio Sena para poder vislumbrar o interesse de Lacan por essas disciplinas, que na década de 1950 , já eram pesquisas científica de ponta. Mas para reconhecer isso será preciso abandonar preconceitos que permeiam a historiografia da Psicanálise. Provavelmente são eles que não permitem que os historiadores da Psicanálise consigam vislumbrar a verdadeira dimensão dessa conferência de Lacan e prefiram não mencioná-la.


Fonte: Revista Filosofia edição 64 pág 37 (João de Fernandes Teixeira, Ph.D pela University of Essex Inglaterra/Professor titular na Universidade Federal de São Carlos site www.filosofiadamente.org)