Por Edson Moura
Na Idade Média, nossos
antepassados, com suas limitações de conhecimento e ainda com suas
superstições, esta por sua vez, empapada do Cristianismo cada vez mais
fortalecido, começaram a se preocupar, não mais
com o destino coletivo das pessoas de sua religião, e sim com o destino
de cada indivíduo em particular. Foi então que se estruturou a crença de
“julgamento após a morte”, podendo o morto sofrer punições pelos pecados
cometidos durante toda a vida.
Segundo a crença anterior, Jesus
voltaria, conduziria os que creram até o Paraíso. Modificado então, para um
“Dia do Juízo Final”, onde seriam separados os nos dos maus, cabendo aos maus a
“Punição Eterna”. “Então dirá aos que estiverem à sua direita: ‘vinde benditos d meu pai, receberdes por
herança o Reino preparado para vós desde a fundação do mundo...’ Em seguida,
dirá aos que estiverem à sua esquerda: ‘apartai-vos de mim, malditos, para o
fogo eterno preparado para o diabo e para os seus anjos...’ E estes irão para o
castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna”.
É neste contexto que o conceito
de purgatório se desenvolve dentro do catolicismo. Até então esta ideia não era
estruturada como dogma, mas apenas como um elemento procedente da crendice popular, muitas vezes
associada à ideia de limbo (local onde as almas das crianças mortas sem batismo
deveriam permanecer até a vinda definitiva de Cristo. O termo latino purgatorium (lugar de purificação)
parece ter sido usado pela primeira vez no fim do século XIII, por Pierre Le
Mangeur, em Paris.
No Concilio de Lyon, em 1274, o
purgatório recebia uma primeira promulgação como dogma da Igreja católica,
sendo definitivamente proclamado em 1439, no Concílio de Florença, que
congregou Católicos romanos e ortodoxos Gregos.
Com o advento do purgatório, a
ritualização da morte é modificada, no sentido de buscar o perdão para pecados
cometidos em vida, procurando garantir um bom destino á alma que estivesse
deixando o seu corpo mundano. Surge a possibilidade de interferir no “destino”
do falecido, por meios das súplicas e indulgências dirigidas a Deus e aos
santos, visando diminuir o tempo de expiação pelos pecados e facilitar a
entrada do “morto” no Céu.
A morte vai tendo seus aspectos
repulsivos mais explicados e valorizados. O corpo morto, frio e fedorento,
passa a ser escondido. A imagem da morte vai se transformando, deixa de se “bela”
e pública para ser feia e escondida, ou melhor dizendo, proibida. Os rituais
que outrora acompanhavam a morte e o morrer, são agora esvaziados de sentido em
uma maneira de evita o sofrimento pela própria morte. A morte antes aceita com
naturalidade, ocorrendo em meio à tranquilidade dos familiares, passa a ser
temida. A morte natural passa a ser a mote por velhice, enquanto todas as
outras maneiras de morrer sinalizam a possibilidade de um castigo divino.
Feliz ou infelizmente, com o
crescimento do pensamento filosófico e científico dos séculos XV e XVI,
testemunhamos nova elaboração da vivência da morte. Com o advento do
Iluminismo, a morte passa a ser dissociada de seus aspectos religiosos e
sagrados, adotando a racionalidade como elemento norteador. A morte passa a ser
vista principalmente como um evento biológico, sobre o qual deve-se buscar um
maior controle por meio da Ciência e da Razão. Com isso, a estruturação de
hospitais, o desenvolvimento da medicina e a busca pelo prolongamento da vida
ganham mais atenção.
A relação entre morte e hospital
foi se estreitando ao longo dos séculos. Os hospitais tiveram sua finalidade
alterada de acordo com cada época e lugar. Antes do advento da medicina científica
e tecnológica, o morrer em hospitais era destinado às pessoas pobres ou
indigentes, que não possuíam condições financeiras de serem tratadas em suas
próprias residências, portanto se dirigiam aos hospitais em busca de
recuperação de sua saúde, ou mesmo para morrerem.
Antes do século XVIII o hospital
era uma instituição de assistência aos pobres, que visava unicamente sua
separação e exclusão. Na visão geral, o principal personagem do hospital não
era o doente que poderia ser curado, mas sim, o pobre que estava morrendo e
deveria ser assistido material e espiritualmente. O hospital seria portanto, um
“morredouro”, um lugar para se morrer. O paradigma vigente nessa época era o
paradigma do “cuidar”.
Cuidava-se dos doentes, mas sem a
pretensão de reintegrá-los à sociedade, e enquanto estivessem vivos no aguardo
da morte. O ato de cuidar estava inteiramente ligado à religiosidade, tendo o
sagrado uma função asseguradora: “Cuidava-se do corpo e da alma, de maneira a
facilitar à alma a sua entrada nos céus.
Com o tempo, a vivência da morte
passou a ser restrita aos hospitais, transformados em locais de cura e
recuperação de doentes, distanciando-os do convívio familiar durante sua
recuperação ou mesmo no processo de morrer. Atualmente, século XXI, os cuidados
médicos e hospitalares se pautam no paradigma de “curar”. Não basta cuidar do
doente. É preciso curá-lo a todo custo e combater a morte. O paradigma do curar
facilmente torna-se prisioneiro do domínio tecnológico da Medicina moderna. “Se
algo pode ser feito, logo deve ser feito, essa é a missão”. Também idolatra a
vida física a alimenta a tendência de usar o poder da Medicina para prolongar a
vida, mesmo em condições inaceitáveis.
Esta idolatria da vida ganha
forma na convicção de que, a inabilidade para curar ou evitar a morte,
constitui-se uma falha na Medicina moderna. A falácia dessa lógica é pensar que
a responsabilidade de curar termina quando os tratamentos estão esgotados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe a sua opinião.
Mesmo que você não concorde com nossos pensamentos, participe comentando esta postagem.
Sinta-se a vontade para concordar ou discordar de nossos argumentos, pois o nosso intuito é levá-lo à reflexão!
Todos os comentários aqui postados serão respondidos!