quarta-feira, 10 de julho de 2013

"Inveja da lágrima alheia"






Sinto inveja dos que choram. Uma inveja que me atormenta à medida em que vou envelhecendo e vejo que as lágrimas não mais se apresentam. Nem olhos lacrimejantes, nem coração apertado, nem soluços contidos... Nada disso. Um ermo e solitário deserto. Um deserto árido é o que sinto que sou. Mas, mesmo nos desertos, ainda que em porções ínfimas, as lágrimas da noite se fazem presente, umedecendo a areia e deixando um orvalho rico para os seres que por lá vagueiam. Tenho inveja do deserto.

Lembro-me da última vez em que chorei. E como foi bom. Na verdade foi uma das poucas vezes que chorei, depois de adulto. Malas prontas, violão e livros guardados, meu irmão com o carro parado à porta, esperando que eu me despedisse dos meus filhos. Era a separação. Já dentro do carro, ao ver de relance meu filho no portão, me olhando, não sei se com tristeza ou indiferença, pois tinha apenas 3 anos, elas vieram. Vieram com tamanha força que por mais que me esforçasse, não consegui contê-las. Chorei, e chorei de soluçar. Meu irmão nada disse, apenas respeitou esse meu momento.

Como foi bom. Chorar não era ruim naquele momento. Me revelou o tamanho do amor que eu tinha pelos meus filhos, e como seria difícil a vida longe deles. Foi um choro efêmero. Rapidamente substituído por um ódio com as mesmas dimensões do amor. Odiei minha esposa. Odiei a mim mesmo me julgando culpado pelo rompimento. Hoje sei que não tive culpa. Mas, queria ter. Para quem sabe, poder chorar de arrependimento.

Recordando agora daquele fatídico dia, não consigo fazer brotar uma lágrima sequer. Remoendo e remoendo as lembranças, vejo um solo estéril e totalmente sem possibilidades de gerar vida. Para onde forma minhas lágrimas? Se soubesse que me fariam tanta falta, as teria economizado ainda mais. Pergunto-me se a total ausência delas, não é a constatação que que não valorizo o que perco hoje. Acho que estou tentando me enganar. O que aconteceu foi que a vida me tornou duro demais, ou melhor, eu me tornei assim.

Ainda ontem vi uma cena que me desmontou por completo. Meu filho mais velho, Jonas, ao me ver saindo com o mais novo, Cauã, para levá-lo à casa de sua mãe, após uma semana de férias comigo, veio correndo atrás de mim, e tocou em minha blusa, com os olhos cheios de tristeza e lágrimas e diz olhando para o irmão: "nem se despediu de mim né?". Senti inveja daquelas lágrimas que provavelmente correram pelo seu rosto jovem logo depois do abraço. Aquilo me deixou feliz, por saber que meu filho ainda não padece do mesmo mal que eu.

Sofrer deveria ser obrigatório para alguns homens. Mas sofrer mesmo! Aquele sofrimento que faz desabar qualquer gigante. Que faz a mais dura rocha amolecer. Isso não quer dizer que não esteja sofrendo. Sofro por não sofrer o tanto que gostaria. Sofro por não chorar, e lavar minha suposta alma, e purificar meu suposto espírito. Sofro o sofrimento maior do homem. Aquele que ninguém percebe. Só nós mesmos.

Filósofo cético, Edson Moura

Um comentário:

  1. Caro Noreda

    Este teu texto me tocou. Chorei, por dentro, um choro seco sem lágrimas..

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